terça-feira, 3 de maio de 2011

Osama bin Laden, neoinstitucionalismo e economia: e o Brasil?


O Estado de S.Paulo
03 de maio de 2011 | 0h 00

Ilan Goldfajn*

Onde você estava no momento do atentado de 11 de setembro de 2001? Essa era uma pergunta frequente até poucos anos atrás. Pois eu estava no Banco Central, em Brasília, atuava como presidente interino. O titular, Armínio Fraga, estava justamente nos EUA. Os diretores revezavam-se nas eventuais substituições do presidente e eu fui premiado com o atentado de Osama bin Laden. O choque com as imagens das torres caindo deu lugar à preocupação com o dia a dia. A exemplo de outros bancos centrais no mundo, essencial era pôr liquidez à disposição do sistema financeiro, mesmo que não viesse a ser usada. Mas os mercados podiam/deviam continuar a funcionar normalmente? Ninguém sabia a extensão do atentado, nem suas consequências. A morte de Osama Bin Laden me fez relembrar esse momento. Ter capacidade de absorver choques é essencial para uma economia saudável. E ter instituições fortes é importante para o desenvolvimento econômico sustentável. E hoje, quase dez anos depois, como está o Brasil nesses quesitos?

A pergunta não é tão simples como parece. É claro que a economia hoje tem mais defesas. Há reservas internacionais abundantes para evitar as consequências negativas de uma "parada brusca", quando ocorrem saídas fortes de fluxos de capital. E a reação à crise financeira internacional de 2008 (quebra do Lehman Brothers) mostrou que o sistema financeiro é sólido e o governo tem capacidade de implementar políticas anticíclicas (que evitam a recessão profunda). Mas é também verdade que o Brasil se acostumou às favoráveis condições internacionais - o crescimento acelerado da China e de outros emergentes elevou os preços da nossa pauta exportada em 142% desde setembro de 2001. Os maiores problemas hoje são mais de excesso (de fluxos de capital, por exemplo) que de falta. E o Brasil tem mais a perder. Há pleno emprego, renda crescente numa classe média em ascensão, confiança em alta dos empresários, investidores e consumidores, baixo risco percebido e muitos projetos de investimento a caminho, inclusive os ligados ao pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíada.

Mas o que faria o Brasil depender menos das condições favoráveis internacionais?

Países crescem (em especial, economias emergentes) quando as condições externas estimulam, mas também quando geram dinâmica própria em razão de bases sólidas. Muitas vezes o crescimento é resultado de ambas. No momento as condições externas têm sido importantes. Na América do Sul o crescimento elevado ocorreu em quase todos os países onde políticas econômicas e instituições diferem significativamente (pensem na diversidade entre Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Não parece haver um determinado conjunto de políticas domésticas que explique por si só o desempenho favorável desses países nos últimos anos.

Economias desenvolvem-se quando conseguem investir, ter uma mão de obra qualificada e tecnologia avançada. Crescimento da produtividade é o nome do jogo. Mas isso ocorre quando condições fundamentais estão colocadas, como instituições econômicas sólidas que gerem os incentivos corretos.

O Prêmio Nobel de Economia Douglass North definiu instituições como as regras do jogo de uma sociedade que moldam o comportamento humano. Ao contrário dos fatores geográficos, as instituições são desenhadas pelo homem e atuam sobretudo via restrições e incentivos que geram nos diferentes grupos. As instituições do governo e do Estado (como Ministérios, agências reguladoras, Congresso) são apenas alguns exemplos. Instituições podem ser regras da sociedade que não passem por esses órgãos.

O debate sobre as restrições existentes na economia e os incentivos corretos para crescer são os verdadeiros divisores das diferentes correntes de economistas, na minha opinião. Para além das nomenclaturas (serão "nomenclaricaturas"?) de desenvolvimentistas x neoliberais, ortodoxos x heterodoxos, é mais relevante entender a diferença de opinião sobre 1) se há restrição de poupança doméstica (financiamento, para alguns) para investir mais, 2) se há limites para o crescimento sustentável (sem inflação, por exemplo) no curto e no médio prazos ou 3) se a meritocracia gera mais produtividade, entre outras questões.

De forma geral, as questões que se apresentam são se em determinado país as instituições geram as condições e os incentivos para que os empresários inovem e invistam e os trabalhadores obtenham educação; se há segurança jurídica dos contratos, estabilidade das regras, meritocracia e sensação de recompensa pelo esforço/risco incorrido. Em suma, se há incentivos corretos para gerar o desenvolvimento.

No Brasil dos últimos anos parece haver sinais de fatores internos e externos. O desenvolvimento dos últimos anos deve-se à mudança nas instituições no passado (como definidas por Douglass North), mas também às condições internacionais. Nos fatores internos, o respeito aos contratos, a estabilidade macroeconômica, as reformas econômicas (macro e micro), a maior mobilidade social por meio da distribuição de renda e a criação das agências reguladoras, entre outros, foram essenciais.

Para a frente a questão é relevante. Há incentivo para continuar crescendo, mesmo quando os impulsos externos não forem tão favoráveis (ou mesmo desfavoráveis)? As regras formais e informais estão ainda gerando os incentivos corretos para crescer? E houve avanço adicional das instituições, removendo obstáculos existentes anteriormente?

A morte de Osama bin Laden me fez lembrar do atentado de 11 de setembro, da triste tragédia humana e da sua vulnerabilidade. Mas também me fez lembrar da vulnerabilidade das economias. E do esforço necessário para criar os incentivos corretos para o crescimento sustentável que não dependam das condições internacionais, que podem não ser tão favoráveis como nos últimos anos.

*ECONOMISTA-CHEFE DO ITAÚ UNIBANCO, É SÓCIO DO ITAÚ BBA

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